“aqui jaz as fortunas do Grupo Carreteiro, acumuladas com o sacrifício do povo.”
A Revolta das Barcas foi um levante popular, ocorrido em 22 de Maio de 1959 contra o serviço hidroviário na cidade de Niterói, estado do Rio de Janeiro. A revolta, além de 6 mortos e 118 feridos, resultou na depredação e incêndio tanto do patrimônio das barcas quanto da residência da família de empresários que administravam o serviço (o Grupo Carreteiro), e terminou com intervenção federal e estatização das barcas.
À época, bem antes da existência da Ponte Rio-Niterói, o único serviço de transporte entre Niterói (então capital do estado) e do Rio (então capital do Brasil) eram as barcas, que levavam aproximadamente 100 mil passageiros por dia (quase metade da população niteroiense de então).
Contexto Histórico
O Grupo Carreteiro, que controlava o serviço, solicitava constantemente apoio financeiro do governo para cobrir os gastos, alegando prejuízo. Porém, o governo negava maiores subsídios sob a acusação do Grupo prestar falsas informações sobre seus gastos, com fortes suspeitas de que a empresa gastava menos da metade do que exigia – suspeitas reforçadas pelas aquisições de fazendas e outros tipos de propriedades pela família Carreteiro, fatos notados pela população.
Somado a isso, as mobilizações sindicais no Brasil que incentivavam trabalhadores e trabalhadoras a se organizar eram crescentes, entre eles o Sindicato dos Marítimos e Operários Navais, que com freqüência paralisavam o trabalho – paralisações que eram usadas pelo Grupo Carreteiro como justificativa para novos aumentos tarifários.
A greve dos marítimos
Na noite do dia 21 de maio de 1959 o sindicato entrou em greve, de surpresa, mais uma vez, reivindicando melhores condições de trabalho e organização para os cerca de 4 mil funcionários da empresa.
Com a greve, as Forças Armadas foram encarregadas de administrar provisoriamente as viagens entre Niterói e o Rio, desde a condução até a organização das filas. Foram utilizados duas embarcações especiais para tal, denominadas “avisos”, que porém tinham capacidade reduzida.
A revolta
Com o serviço reduzido e logicamente sem dar vazão à demanda, a população começou a se aglomerar na Praça Araribóia, e o desconforto e o atraso foram aumentando a tensão local. Para piorar, os fuzileiros navais que tentavam “organizar” a fila (então um grande aglomerado) começaram a agir com truculência, aumentando o descontentamento e a agitação.
Quando um dos militares resolveu dar coronhadas nos passageiros, uma pedra foi lançada contra uma vidraça das barcas, e a resposta dos fuzileiros foi uma rajada de tiros para o alto, o estopim da fúria popular.
Iniciou-se um quebra-quebra pela estação das barcas, que foi incendiada e teve a frota destruída. Os móveis da estação e pedaços das embarcações foram arremessados na rua e incendiados. A revolta seguiu, com a população em marcha para a Rua São João, onde ficava o escritório da empresa, igualmente invadido, destruído, com papéis e moveis sendo arremessados da janela e ateados em chamas.
Por fim, uma marcha em direção à residência dos Carreteiro no bairro Fonseca, a três quilômetros do foco da revolta. A casa foi incendiada, os pertences destruídos, e os móveis caros arremessados do telhado. No fim, encontrou-se escrito em uma parede: “aqui jaz as fortunas do Grupo Carreteiro, acumuladas com o sacrifício do povo.”
No dia seguinte a situação já estava sob controle, e o governo brasileiro assumiu o controle das barcas, estatizada.
A revolta, o vandalismo e a luta entre populares e militares resultou em 6 mortos e 118 feridos. Alguns periódicos compararam o episódio chamando Niterói de “uma pequena Bastilha”.
Revolta das Barcas faz 50 anos. Revolta nas barcas continua
Disponível em: https://opiniaoenoticia.com.br/brasil/nacional/revolta-das-barcas-faz-50-anos-revolta-nas-barcas-continua/
No dia 22 de maio de 1959, o pau quebrou em Niterói, município vizinho do Rio de Janeiro, lindamente separado da capital fluminense pelas águas da Baía de Guanabara. As pessoas perderam a paciência com a péssima qualidade do serviço de travessia marítima entre as duas cidades, e numa explosão de fúria incendiaram a estação da Cantareira, destruíram os escritórios da concessionária e saquearam a residência da família de espanhóis que controlava a empresa.
A turba incontrolável deixou escrito em uma das paredes da mansão o resumo da história toda: “Aqui jaz a fortuna do Grupo Carreteiro, acumulada com o sacrifício do povo”. O resultado do episódio, que ficou conhecido como Revolta das Barcas, foi que o poder público assumiu as operações do transporte de passageiros na baía, voltando a privatizá-lo só no final de década de 1990, com o fim da Companhia de Navegação do Estado do Rio de Janeiro (Conerj).
Exatos 50 anos depois, a concessionária que ganhou o direito de explorar o serviço de travessia marítima da Baía de Guanabara, a Barcas SA, parece não ter aprendido a lição. Existe atualmente um déficit de dez mil lugares na hora do rush, muitas reclamações por atrasos, superlotação e outros desrespeitos, além do fato de que a passagem está 180% mais cara em relação ao preço de 1998, quando a privatização foi levada a cabo sob a promessa de um serviço melhor a um menor custo para a população.
Os usuários amargam um misto de frustração e indignação. Os tumultos e demais manifestações de impaciência entre filas, catracas e saguões apertados vêm se sucedendo, e quando há empurra-empurra ou uma porta de vidro se espatifa entre a multidão, a polícia e os gestores da Barcas SA vêm demonstrando muita desenvoltura para falar genericamente em “vandalismo”. O O&N foi ouvir a insatisfação dos passageiros das barcas, e dos ex-passageiros também.
CPI segue analisando, vistoriando…
O publicitário Ernane de França é um dos que “enfrentam” dia após dia o serviço oferecido pela Barcas SA. Os constantes atrasos na saída das lanchas o incomodam bastante, bem como as longas filas e a espera em pé pelo embarque, mas o que tira mesmo Ernane do sério é outra coisa. “Parece até deboche aquela gravação em tom de aeroporto, pedindo aos passageiros que permaneçam em seus lugares até a atracação, como se todos estivessem sentados. Mesmo que o passageiro consiga se sentar, não existe nenhum conforto, até porque a circulação de ar na lancha praticamente não existe. Virou um problema de risco para a saúde. É torcer para não cruzar com alguém contaminado com algum vírus, como o da gripe suína”.
Já o técnico em contratação Marcos Rangel quase todo dia atravessa a ponte Rio-Niterói sobre duas rodas. A moto foi a alternativa que encontrou para escapar das filas e do calor das estações das barcas e ao mesmo tempo deixar o engarrafamento para trás, ziguezagueando entre carros de um ocupante só e centenas de ônibus lotados — os dois maiores sintomas da perpetuação de um sistema público de transportes limitado e indigno.
E foi em busca de alguma dignidade na travessia da Baía de Guanabara que no ano passado Marcos subscreveu um abaixo-assinado pedindo a abertura de uma CPI na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) para investigar a gestão do serviço. “É revoltante — diz ele — contribuir para a criação de uma CPI e perceber que até agora a única melhoria apresentada foi a instalação de três ou quatro ventiladores nos terminais, e mesmo assim isso só aconteceu depois de uma manifestação de passageiros”.
De fato, a CPI das Barcas foi instalada. Os trabalhos começaram no dia 9 de dezembro de 2008 com a expectativa de se apurar as razões de acidentes, da má qualidade do transporte e dos descumprimentos do contrato de concessão. Quase seis meses depois, no entanto, os integrantes da comissão continuam analisando, vistoriando e ameaçando a Barcas SA com os rigores da lei. De concreto, nada ainda.
O pior cego é o regulador que não quer ver
Enquanto isso, quem não tem duas rodas vai se virando com quatro mesmo, e das grandes. O agente comercial André Cordeiro, que trabalha no Centro do Rio, é um dos muitos que optam por atravessar a Baía de Guanabara de ônibus, apesar da rotina de engarrafamentos na ponte Rio-Niterói. André diz que prefere pagar mais caro nos ônibus da Auto Viação 1001 a esperar mais de uma hora em uma das longas filas que se formam todas as manhãs nas estações de Charitas e da Praça Araribóia, no lado niteroiense, e todo fim de tarde na Praça XV, no lado carioca da baía. “Ao meu ver, o problema das barcas é o mau gerenciamento da relação entre demanda e oferta, o que resulta em um grande tempo de espera mesmo em horários de pico, quando a agilidade deveria ser maior. Além disso, a comercialização mal planejada do espaço interno contribui para a insuportável lotação do já desconfortável e mal ventilado saguão de embarque da Praça XV, como é desconfortável e mal ventilada a própria barca em si”, reclama André.
O que ele chama de mau gerenciamento, o presidente da CPI das Barcas na Alerj, deputado estadual Gilberto Palmares, diz que é falta de concorrência mesmo. Fora as barcas, a única alternativa de transporte público entre o Rio e Niterói são os ônibus, e a empresa rodoviária com maior presença na cobertura do trajeto é a Auto Viação 1001, aquela mesma citada por André. O problema é que a 1001 também é nada menos do que a sócia majoritária do consórcio que controla a Barcas SA.
À luz desta informação, não soa bem o conselho dado aos usuários pelo superintendente da Barcas SA, Flávio Almada, em entrevista publicada no último dia 10 de março no jornal Extra. Almada fez a seguinte recomendação: “Ou fica duas horas num ônibus, ou fica 20 minutos, meia hora, uma hora na fila”. Resume-se assim, pela boca de quem tem os passageiros nas mãos, tanto o descaso quanto o escândalo que só a Agetransp não quer ver. Sim, Agetransp, sigla para Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos de Transportes Aquaviários, Ferroviários, Metroviários e de Rodovias do Estado do Rio de Janeiro. Cá entre nós, parece o caso de muito nome para pouca, pouquíssima utilidade.
Referências
- Jornal A Tribuna (Niterói) – edição de 22/05/2009
- https://oglobo.globo.com/rio/bairros/posts/2009/05/16/revolta-das-barcas-faz-50-anos-186636.asp
- https://www.midiaindependente.org/pt/blue/2005/05/317642.shtml